sábado, 30 de abril de 2011

COLUNA CARLOS COSTA: Manaus 1969

Manaus era uma cidade provinciana, quando foi implantado modelo de desenvolvimento Zona Franca de Manaus moldado no tripé Indústria, Comércio e Pecuária. A cidade era muito pequena e  não tinha mais do que 300 mil habitantes. Terminava na Avenida Boulevard Álvaro Maia. Depois, onde hoje fica uma Usina de Energia Elétrica, no início do que é hoje a Avenida Djalma Batista,  tinha o “Seringal Mirim”, assim chamado em razão das inúmeras seringueiras nativas que lá existiam. 
A estrada João Coelho, depois estrada de Flores e hoje Avenida Constantino Nery, era a maior rua em extensão. Não havia a Avenida Djalma Batista, nem o Amazonas Shopping Center. Existia uma grande e bela área de balneários, o mesmo ocorrendo com a Estrada do Contorno, projetada pelo prefeito Paulo Pinto Nery.  
A área onde hoje está localizada a Avenida Efigênio Salles exibia balneários naturais, resultado da passagem do Igarapé do Mindu por toda a sua extensão. Não havia piscinas; no máximo, algumas águas represadas para as pessoas tomarem seus banhos. Havia o “Balneário do Parque 10 de Novembro”, o “Guanabara Clube de Campo” (o único que resiste até hoje), o “Tucunaré Clube de Campo”, o “London Clube de Campo”, o "Jacundá Clube de Campo”. Os outros todos ficaram poluídos 
A Zona Franca estava começando. O projeto de sua criação, aprovado 10 anos antes pelo deputado federal Francisco Pereira da Silva, dava os primeiros passos em direção ao que é hoje o polo Industrial de Manaus (PIM). A sede da Suframa – Superintendência da Zona Franca de Manaus - tinha lugar onde hoje funciona hoje a sede do  Sebrae. 
Circulavam poucos ônibus em Manaus. Funcionavam a “Ana Cássia”, “Viação Demétria”, agregada à “Ana Cássia”,  “Viação Bons Amigos”, “Viação Nosso Transporte” e “Viação Monte Ararate”, com regularidade. Também havia umas kombis, chamadas de expressinhos, que atendiam nas áreas dos bairros de São Raimundo, Glória e proximidades. 
A cidade era entrecortada de igarapés e o maior movimento era feito pelas catraias: do Morro da Liberdade para o bairro da Cachoeirinha; do Educandos para o centro da cidade; da Aparecida para o São Raimundo  etc. Os remadores tinham que ter braços firmes para transportar as pessoas. Quase não existia ponte ligando essas áreas. 
O empresário colombiano Alonzo Puertas Baptista decidiu abrir o primeiro bar gay de Manaus, na Estrada de Flores, de nome “Patrícia Bar”. Causou um escândalo na cidade. Mais escândalo ele promoveu quando anunciou pela imprensa que iria escolher a Primeira Rainha Gay de Manaus. Durante o baile, a mesma sociedade que o criticou no início, estava presente para prestigiar seu carnaval. 
O Km 0 de Manaus ficava ao final da Avenida João Coelho, onde funciona hoje um quartel do Corpo de Bombeiros, antes da Estrada dos Franceses, que também não existia. 
Surgiu, mais tarde, o bordel Saramandaia, na Avenida Torquato Tapajós, continuação da Avenida Constantino Nery. 
Cheguei a Manaus nesse ano, embora tivesse nascido em 1960, no bairro do Morro da Liberdade, em Manaus,  e ido morar na comunidade do “Varre-Vento”, um distrito do município de Itacoatiara. 
Vim em busca de estudos. Comecei a estudar aos sete anos, na escola improvisada na casa de minha tia Terezinha da Costa Amaral, onde aprendi o básico. Já sabia  ler, escrever e fazer pequenas operações matemáticas. Como quase toda criança tinha sempre uma madrinha que residia em Manaus, vim em busca dela, sozinho. 
Minha mãe, Josefa Bezerra da Costa, costurou para mim uma bermuda de tergal marrom com dois bolsos na parte de trás. Meu pai, Paulo Torres da Costa, construiu para eu transportar minhas poucas coisas, uma maleta em madeira, com uma chave:
- É para você não ser roubado dentro do motor, enquanto estiver dormindo!
Também minha mãe teve o cuidado de me fazer aprender a comer com garfo e faca:
- É para você não passar vergonha dentro da embarcação. 
Desembarquei no Cais do Porto com o endereço de minha madrinha Natércia,  anotado no bolso da bermuda da pessoa cuja casa me serviria de abrigo. Mas, antes, fiquei olhando para as calotas dos carros. Eu me via nelas de uma forma meio esquisita, dependendo da distância que eu olhava. 
Decidido, entreguei o endereço ao motorista do táxi e ele me disse que conhecia o local. 
Assim, cheguei à casa da minha madrinha, decidido a estudar. Matriculei-me no Grupo Escolar Adalberto Valle, onde tive minha primeira paixão platônica por Claudine, filha de um Oficial de Justiça. Eu a julgava muito linda. Mas ela nunca soube disso. Eu era muito tímido para revelar-me. Ao concluir as quatro primeiras séries, fui transferido para o Colégio  Dorval Porto.
Durante meus estudos no Colégio Dorval Porto, convivi com algumas pessoas que marcaram a minha vida. Uma delas foi uma professora de biologia, Letícia Barbosa de Moraes, colecionadora dos livros “Grandes Romances Históricos”, com vários autores e títulos: “Nossa Senhora de Paris”, “Ivan, o Terrível”, “Corcunda de Notre Dame”, “Madame Bovoari”, “Salambô” “Os Miseráveis”, “Nossa Senhora de Paris” e muitos outros romances clássicos. Também convivi com os professores e professoras.
Do outro lado da rua, quase em frente ao Grupo Escolar “Adalberto Vale” existia o “Batuque da Mãe Zulmira”. Nós olhávamos pelas frestas das paredes para saber o que acontecia lá dentro. Não tinha nada demais. Era só o barulho dos atabaques  e umas pessoas “pegando santo”. Os ônibus tinham no local a sua estação. Comecei a publicar os meus primeiros poemas infantis, quase sempre sem muito sentido, no jornal mural “Pirilampo”, uma publicação interna do Grupo Escolar onde comecei e conclui meu curso primário.
Corria, no Morro da Liberdade,  em pistas sem asfaltos e cheias de pedras, puxando “carros” feitos com latas de leite e também imaginando serem carros os aros de bicicleta e pneus velhos de carros que, para controlá-los, dobrava um arame ao ponto de fazer um apoio lateral e os empurrava, com meu amigo de infância João da Silva Couto, que sempre me acompanhava nessas brincadeiras. Às vezes, amarrávamos até quatro latas vazias de leite e dizíamos que era um “carro compactador”. 
A casa de minha madrinha era ótima, mas tinha um problema: eram muitos filhos, o Doca, Chaguinha, Manoel e mais uns seis. Sabia que ela não teria como me sustentar; pois, meu padrinho, Francisco Januário Calado,  era apenas tratorista no Departamento Estadual de Estradas e Rodagens, que fazia diretamente todas as obras do Governo da época. Decidi, então, adquirir uma caixa de picolé e ir vendê-los. No início vendia poucos, depois fui aumentando, aumentando até o peso que eu suportasse carregar. Vendia-os fora do horário dos meus estudos, até começar a anoitecer. 
Foi uma vida feliz, recheada de muitos acontecimentos. Não havia violência, mas havia as “racinhas”, que eram grupos de colegiais que brigavam no meio da rua, uma escola contra a outra. Não havia o uso de armas, só os dois chefes das “racinhas”, escolhidos entre os mais fortes e determinados. Os outros, ficavam só em volta, olhando. Terminada a “batalha”, cada grupo saía para o seu lado. A luta terminava ali. Como as “racinhas” eram entre colégios, havia algumas que ficaram famosas em suas lutas: as do Colégio Pedro II, o ‘Estadual’, contra a Escola Técnica, por exemplo. 
No bairro do Morro da Liberdade, como não havia água encanada, só no da Cachoeirinha, tínhamos que atravessar de catraia para ir buscá-la. Um depósito, tipo galpão para beneficiamento de açúcar, com várias torneiras vindas de um poço artesiano (coisa que quase não existia naquele ano de 69), e de lá, todos os finais de tarde, eu e alguns filhos da minha madrinha, apanhávamos água para beber,  mas tínhamos que caminhar um pouco dentro do mato até chegar ao local para pega-la.
Estudando pela manhã e vendendo picolé à tarde, fui levando minha vida e ganhando meu dinheiro. Durante meus estudos no Colégio Dorval Porto, aos 11 anos de idade, decidi vender jornal. Acordava todos os dias às 4h da manhã, tomava um copo de Nescau com pão e ovo, pegava o primeiro ônibus às 04h30min, ainda com muito frio, devido à grande umidade, e ia para o trabalho. No colégio Dorval   Porto, fiz amizade com a professora de inglês Alice Fabrício da Silva, que me incentivou muito a publicar meu primeiro e único livro de poesias, (Des)Construção..., em 1978, reeditado 20 anos depois pelo projeto “Valores da Terra”, desenvolvido na gestão da Secretária Municipal de Cultura, Lívia Mendes.
Já adolescente, frequentei muitos cinemas de Manaus. Começava sempre pelo Cine Guarany, às 12h, na primeira sessão e só chegava em casa à noite, depois de ter passado pelos cines Polytheama, Vitória, Éden, Odeon, Avenida, Palace e Ipiranga, na sessão das 20h. 
Sempre, eu e meus amigos da Escola primária, freqüentávamos  os cinemas; havia a ilusão de classificar a virgindade de uma moça pelo uso das calças: se tivesse as pernas muito afastadas uma da outra,  devido o quadril largo, dizíamos que ela não era mais virgem; se ela usasse calça de lycra colada ao corpo, mas não tivesse o afastamento, “essa era a virgem”. 
Gostávamos de assistir  aos filmes que, em média, demoravam 30 dias em exibição: “Tarzan”, “Mil Máscaras” “Mini Maciste”, “Sabata”, “Django” e outros. De todos, o que mais apreciávamos mesmo era de “Tarzan”. Costumávamos brincar: “eu queria ser forte que nem o Tarzam”. Todos os cinemas, Guarany, Polyteama, Vitória, Edem, Odeon, Pálace, Avenida e outros que não lembro os nomes, pertenciam a família de Adriano Bernardino.

* Texto extraído do livro De jornaleiro a jornalista: Uma história de vida


Carlos Costa
 http://carloscostajornalismo.blogspot.com/

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